quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Tempo de Mizoguchi e Bellocchio

Engraçado que esse meu retorno aqui ao blog tenha se dado com a revisão deflagradora de 'Intendente Sansho', clássico absoluto do meu cineasta japonês preferido que é Kenji Mizoguchi. Lembro de quando tive meu primeiro contato com o cineasta há uns 8 anos atrás quando vi 'Contos da Lua Vaga' e fiquei em estado de transe por semanas, dopado por aquele sentimento absorto de melancolia, de magia e de mundo. Ficava extasiado com aqueles planos-sequência tão simples e arrojados e poderosos... com a capacidade que Mizoguchi tinha de equilibrar os pesos dramáticos de sua narrativa, hora assumindo deliberadamente um certo sentimentalismo, hora se contendo ao máximo pra filmar cenas fortes como a esplendorosa cena do suicídio de Anju em 'Intendente Sansho'.

Mas o mais impressionante é como o seu cinema se faz cada vez mais atemporal. Os lamentos das personages de ontem, são os nosso lamentos de hoje, agora travestidos de uma modernidade pseudo-humanista que nos quer fazer crêr que não há mais espaço para a exploração do homem nos dias de hoje. O ser-humano ainda continua a viver como um animal aprisionado.




Mas Mizoguchi não é um pessimista. Ele acredita no poder do tempo, das transformações, ele acredita acima de tudo na mudança do indvíduo sobre o mundo, do homem como catalisador de princípios e idéias, da hereditariedade.

Nesse sentido, acaba me vindo à mente o novo filme do italiano Marco Bellocchio, em cartaz em Goiânia. Vincere lida com chagas do passado, e da reverberação delas sobre nós "homens modernos". O pano de fundo histórico criado por Bellocchio serve menos como acerto de contas com o passado do que uma confrontação com o mesmo. Não se trata aqui de um filme sobre o surgimento do fascismo ou mesmo da chegada ao poder de Mussolini. Vincere é muito mais sobre tempo e verdade. O tempo do homem não é o tempo do mundo, o tempo de Deus. E é o tempo, esse senhor, que nos revelará a verdade.

Mas o filme é ainda sobre cinema! Sim, sobre essa máquina que constrói mitos e os destrói a seu bel prazer, essa máquina que nos acende sentimentos, nos provoca, nos agride, nos emociona. Bellocchio filma essa relação do "povo" com o cinema de uma maneira bastante especial, principalmente na cena em que Ilda Dalser (Giovanna Mezzogiorno excelente) assiste com os olhos marejados, à 'O Garoto', obra-prima de Charles Chaplin, reconhecendo seu drama pessoal ali na tela.

Mizoguchi e Bellocchio: cineastas tão díspares mas ao mesmo tempo tão conectados com o mundo, sua efemeridade, seu tempo. Cineastas que pensam o mundo não em cinco minutos, mas em 5 décadas, ou séculos ou o tempo que for necessário para nos revelar o presente.

Enfim, espero que outros filmes continuem me estimulando a continuar lançando aqui alguns pensamentos soltos sobre vida, cinema e tudo o que deles vem. E que esse (projeto de) blog se mantenha firme por pelo menos mais que 5 minutos.