segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Rohmer eternizado...


Acabo de ficar sabendo da notícia sobre a morte de Eric Rohmer e algo parece estar entalado na garganta, uma vontade impetuosa de ver todos os seus filmes de uma só vez e cair aos prantos, se reconhecendo ali dentro de cada filme, de cada personagem...

O cinema de Rohmer é sobretudo o cinema do acaso, do dia a dia, do prosaico, de encontros furtivos, de trocas de olhares, de sutilezas; um naturalismo tão sereno, leve, denotativo que esconde uma série de ambiguidades, inverossimilhanças, uma complexidade absurda de mecanismos que Rohmer cria em seus filmes não para o registro do real, mas para a criação de um mundo em que a realidade pode ser construída por qualquer espectador, por qualquer pessoa que se veja refletido em cada um de seus filmes.

Algumas cenas inesquecíveis agora me vêm à cabeça: Amanda Langlet de biquíni e Arielle Dombasle de maiô, lindas incendiando a todos os homens da praia em Pauline na Praia; a belíssima cena final de O Raio Verde, com o pôr do sol que se esvai num tom esverdeado e de Le Beau Mariage em que a protagonista troca olhares com aquele homem que no início havia encontrado e que ela não havia dado a menor atenção; as pinturas se fundindo às imagens em A Inglesa e o Duque, a longa conversa entre Françoise Fabian e Jean-Louis Trintignant em Minha Noite com Ela...

E Rohmer deixa discípulos. Se hoje Hong Sang Soo é dos cineastas mais consistentes e talentosos do cinema contemporâneo, ele mesmo não esconde: é por causa de Eric Rohmer. O mesmo pode-se dizer do queridinho do cinema independente norte-americano Noam Baumbach. E não só eles, muita gente boa bebeu dessa fonte inesgotável de cinema: Kiarostami, Jean Eustache, Luís Sérgio Person, Cristi Puiu...

Seu último filme, O Amor de Astreé e Céladon, termina por sedimentar o interesse desse cineasta francês pela idealização do amor, pelas relações afetivas, de uma maneira abolutamente revigorante. O filme parece ter sido feito por algum artista do século XVII que encontrou uma cápsula do tempo com uma câmera dentro e se pôs a filmar, tamanha a ligação de Rohmer com a obra do escritor Honoré d'Urfé.

Assim, vai-se a matéria e fica o espírito desse cineasta tão íntimo, que parece conhecer o ser humano de uma maneira tão profunda e com ele manter uma relação de maravilhamento e descobertas sobre a vida e sobre nós mesmos. Vá em paz mestre Rohmer!


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