terça-feira, 26 de outubro de 2010

MOSTRA SP: post atrasado

    
A Mostra SP começou há 6 dias e por problemas técnicos (o atendimento ao cliente da NET é tão ruim aqui em São Paulo quanto em Goiânia) não consegui postar nada sobre as impressões que tive dos filmes que vi até agora. Escrever ajuda a refletir sobre os filmes. Nessas horas, filmes que estavam bem cotados, caem, outros crescem...

Na verdade por enquanto, não há dúvidas sobre o grande filme da Mostra que é o italiano "As Quatro Voltas" lindíssimo filme de Michelangelo Framantino sobre o fluxo da vida, o tempo, a efemeridade. É uma obra de uma simplicidade absolutamente tocante (sequência da cabrinha perdida do rebanho é de encher os olhos), dona de uma energia, uma singeleza e uma harmonia com o mundo como poucas vezes pude ver. É quase que um Apichatpong acidental, tamanha essa relação de simbiose que Framantino tem com as crenças, a fé, essa relação profunda do homem com natureza, a vida e a morte. Surpresa incrível dessa mostra até agora.

Aliás, surpresa também é "Cópia Fiél" filme que merece muito uma revisão pra se dar conta da dimensão exata dada pelo grande Abbas Kiarostami a esse romance enigmático, reflexão sobre cópias, duplos, um espelho, o reflexo, a projeção, a repetição. Belíssimo trabalho de atores com Binoche e Shimel magníficos.

Já em "O Estranho Caso de Angélica" a surpresa é a de ver Manoel de Oliveira, 101 anos, se aventurando em efeitos especias para criar os delírios visuais de seu protagonista, quase que um duplo daquele de "Peculiaridades de Uma Rapariga Loira". Manoel continua filmando esse choque do presente com o passado, continua encantado pela literatura, pelos diálogos cantados. E é impressionante como Ricardo Trêpa se parece cada vez mais com o grande e velho Manoel. Por isso o filme me pareceu e muito um acerto de contas definitivo do cineasta com a morte, algo como Altman já havia feito em "A Última Noite" seu derradeiro filme. Não é um filme sobre a tristeza da morte, mas desse inevitável encontro com ela.
Outro filme que vem passando despercebido mas é um grande achado dessa mostra é "História Mundana" de Anucha Swichakornpong - outro tailandês que vai precisa de apelido assim como Joe - filme que faria bela seessão dupla com "As Quatro Voltas"  exatamente por buscar essa relação profunda com o ciclo da vida, com essa energia que ronda o universo até encontrar novamente o seu lugar. Na verdade, "História Mundana" à princípio parece ser um filme sobre um trauma, sobre um acerto de contas entre um filho, paralítico após um acidente e seu pai, com quem tem uma relação fria e distante, mas na verdade lida de maneira bem orgânica com a crença na reencarnação, na renovação da vida... é outro belíssimo filme que merece ser descoberto,

Não dá pra não falar da sessão com cópia maravilhosa de "Rashomon" obra-prima de Akira Kurasawa completamente restaurada, em 35mm aqui na cinemateca. Momento que me transportou completamente no tempo, dando a real idéia da magnitude que é esse filme do Kurosawa. Divertidíssima foi ainda a presença de Teruyo Nogamie, assistente e supervisora de vários roteiros do mestre, que veio à São Paulo lançar seu livro "A Espera do Tempo, Filmando com Kurosawa". Nogamie é uma velhinha cheia de vida e histórias interessantíssimas sobre filmagens, os percalços das produções, a relaçõa de Kurosawa com os produtores... enfim, daquelas sessões pra ficar na memória.

Outro que merece destaque aqui no blog é "Ex Isto" ótimo filme do Cao Guimarães, cineasta já sedimentado como um dos grandes documentaristas brasileiros da atualidade, agora em sua primeira ficção: uma adaptação da mais experimental obra do já muito experimental escritor Paulo Leminski, "Catatau". Leminski põe em cheque o pensamento do filósofo francês René Descartes, imaginando uma fictícia vinda dele para o Brasil com Maurício de Nassau à época do descobrimento. Guimarães explora bem essa prosa cantada, tão cara na obra de Leminski com João Miguel encarnando o filósofo. À princípio me lembrou o que fez Albert Serra em "Honor de Cavalleria" e "O Canto dos Pássaros", mas a certa altura o presente vai se fundindo ao passado, e claro, honrando essa tradição tropicalista e antropofágica da obra de Leminski, Cao Guimarães vai mergulhando nesse universo delirante, repleto de ironia, anacronismos, criando algumas belíssimas sequências, ainda que se arraste um pouco no seu terço final.

No mais os outros filmes que vieram não causam reação suficiente pra considerações mais profundas e ficam apenas com as cotações que vão ser atualizadas até o final da Mostra.

Cotações:
*dispensável
** meia boca
*** bacana
**** filmaço
***** O.P.

Sìmbolo, Hitoshi Matsumoto *
Poesia, Lee Chang Dong **
O Estranho Caso de Angélica, Manoel de Oliveira ****
Cópia Fiel, Abbas Kiarostami ****
As Quatro Voltas, Michelangelo Frammantino **** (talvez 5)
Turnê, Mathieu Amalric **
Rashomon, Akira Kurosawa *****
Memórias de Uma Adolescente Amnésica, Hans Canosa *
História Mundana, Anucha Swichakornpong ****
Ex Isto, Cao Guimarães *** 
Carlos, Olivier Assayas **** (merece texto à parte)

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