segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A Esquiva: cinema e política


"A imagem é uma criação pura do espírito, ela não pode nascer duma comparação, mas da aproximação de duas realidades distantes. Quanto mais longínquas e justas forem as relações que se estabelecem entre essas duas realidades, mais a imagem será forte. Duas realidades que não tenham nenhuma relação não podem ser aproximadas de modo útil […]. Uma imagem não é forte porque é brutal e fantástica, mas porque a associação das ideias é longínqua e justa." Pierre Reverdy, JLG/JLG


Que filme impressionante esse A Esquiva. Pra quem vai ter um primeiro contato com o cinema do franco-tunisiano Abdelattiff Kechiche vai ficar de queixo caído com tamanho realismo que ele consegue imprimir nesse filme, ainda mais em se tratando de um romance adolescente. Impressiona o poder da misé-en-scéne de Kechiche, o frescor e o naturalismo das interpretações, a decupagem, mas sobretudo a maneira formidável com que ele transforma tudo isso em um dos mais ricos painéis políticos da França e da Europa que vejo no cinema em muito tempo. Ainda que tenha sido reproduzido numa cópia em DVD bem capenga, com a fotografia escurecida e a imagem um tanto deformada, ver A Esquiva é uma raríssima oportunidade de vivenciar uma experiência de fruição impecável de imagens, de engajamento, postura ética e fé em seu registro. É justamente dessa aproximação de realidades sugerida por Reverdy na citação acima e muito defendida também por Godard em seus filmes ensaio com o Grupo Vertov, que o filme se sustenta de maneira genial e acima de tudo muito justa e ética, limpa e clara (em um ou dois momentos de maneira até didática) pensando o mundo como reflexo das nossas relações pessoais, aproximando a arte da realidade, das pessoas, do complexo emaranhado político entre países europeus e africanos, num filme que respira o tempo todo o frescor da adolescência, das paixões, das dúvidas, da (in)comunicabilidade... nos fornecendo belos registros/documentos/metáforas do cotidiano.

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