terça-feira, 15 de março de 2011

Um Lugar Qualquer (Somewhere)

Uma semana depois de ter visto “Somewhere” de Sofia Coppola, o filme ainda continua reverberando cada vez mais na cabeça. Apesar de ter me impressionado muito como peça de cinema, tinha achado o mais frágil filme da Sofia, principalmente por causa do final um tanto banal, que mais parecia final de comercial de carro importado.
Mas “Somewhere” é de fato o mais radical filme de Sofia Coppola que monotematicamente vem nos apresentando variações imagéticas sobre o mesmo tema. Ninguém filma o aprisionamento e o vazio como ela; e é interessante acompanhar essa evolução de cinema em sua filmografia. Se em "Virgen Suicidas" a decupagem parecia um pouco refém da trama, sem muito espaço para os delírios melancólicos que seriam potencializados em “Encontros e Desencontros” e “Maria Antonieta”, em “Somewhere” ocorre a radicalização desse processo fílmico, num filme que me parece antes de tudo uma versão de “Lost in Translation” filmada por Vincent Gallo e Gus Van Sant em sua fase mais experimental.
Nesse sentido, “Somewhere” consegue a proeza de ser o filme mais bonito de Sofia formalmente (o que não é pouco). Há ali pelo menos uma dúzia de sequências magníficas; desde a sequência incial ao som do Phoenix, quase que uma emulação da sequência inicial do igualmente melancólico "The Brown Bunny" de Vincent Gallo, até a extraordinária sequência da piscina do hotel, algo de antológico aquilo. Há outras, como as cenas das irmãs gêmeas em duas apresentações de pole dance, num misto de amadorismo e sensualidade impressionantes, filmadas num mesmo enquadramento estranho, sem qualquer corte; ou a da patinação do gelo quando Johnny Marco (Stephen Dorff) se encanta finalmente pela sua filha e aquele travelling impressionante quando ele vai moldar o rosto para fazer uma máscara que será usada em seu próximo filme.
Sofia prefere filmar esquetes ao invés de narrar sua história de maneira mais convencional. Dessa maneira ela consegue captar esse momentos de melancolia e vazio que exalam do seu personagem, num trabalho, aliás, belíssimo de Stephen Dorff. Ele consegue muito bem dar conta desse misto de angústia, futilidade e vazio que impregnam seu personagem: um ator famoso, solitário que vai aos poucos se encontrar no convívio com a filha adolescente que vai passar uma semana com ele no hotel em que mora. Fala-se muito no vazio existencial do personagem, mas eu vejo ali alguém constantemente perturbado e incomodado com essa incapacidade, apenas esperando alguém para resgatá-lo desse nada que é a sua vida.

Nada muito importante acontece. O que ocorre é uma sucessão de imagens absurdamente impregnantes que custam a sair da cabeça. Sofia Coppola se revela uma cineasta cada vez mais ciente de seu domínio cênico, e ajuda muito nisso tudo, a fotografia do sempre genial Harry Savides (coloborador habitual de Gus Van Sant) e a trilha sonora, sempre um prato cheio nos filmes de Coppola.
"Somewhere” me parece daqueles filmes que causam certo distanciamento a princípio, mas que carrega em suas imagens um poder tão devastador de traduzir toda a melancolia, as inquietações e frustrações de seu personagem, que é impossível passar incólume a elas. Não fosse o final um tanto óbvio e conciliador, “Somewhere” seria uma pequena obra-prima.

Nenhum comentário: